quarta-feira, março 29, 2006

Um Poema Abstracto - O Gume Experimenta a Poesia II

Na leitura de Nietzsche na esplanada de um bar,
Fica a vontade imensa de quebrar barreiras.
Interrompe-se a leitura descuidada,
E inveja-se a alegria de outra caras
Estampadas em fileiras.

Da leitura de Nietzsche pesarosa
E da espera pela cara que há-de vir
No fim da espera, a determinada hora,
Nasce este conceito de ideias menos claras
Causando esta vontade de partir.

Com a leitura de Nietzsche desviada,
E os olhos perdidos pelo bar,
Aprendo as coisas a que os outros mais reagem,
E com a Verdade e a Mentira programadas,
Nasço da minha Tragédia Vascular.

(Lisboa, 13/11/98)

Nota Sobre o Título (Algo Vago):

Todos os poemas são abstractos. O concreto não existe na linguagem. Toda a poesia é subjectividade, divagação, absurdo. A poesia que faço é resultado do jogo linguistico de mim. A poesia de Shakespeare era resultado do seu absurdo subjectivo associado ao absurdo social de precisar de dinheiro para viver. Isso é concreto. Então, se A Mid Summer Night’s Dream ou Romeo and Juliet, etc., são resultado da fome de Shakespeare, do concreto do corpo, a poesia de Shakespeare é concreta. Não. Não devemos confundir a origem com a consequência. A origem concreta da fome de Shakespeare, deixa de existir como concreta na consequência da abstracção subjectiva que são os seus poemas. O mal social ou do corpo que obrigam o autor a escrever, nada têm a ver com… Por exemplo: Felicidade… Sonho da infância… abstracção completa da linguagem e de mim… Se num acaso eu disser que sou feliz… estou a mentir. Subjectivo, objectivo, abstracto, concreto, que me importa? Comprem o livro, façam-me rico, gastem dinheiro comigo, venerem-me: resolvam o problema da minha fome concreta: por comida, por glória, por dinheiro, por ovações, por mim, e a minha poesia é o que quiserem. Eu sou o que quiserem. POSSO SER O QUE QUISEREM, por inveja ou negação: Proxeneta, prostituta, poeta castrado… Não… não posso, afinal. Ser pelos outros é o supremo mal, ser pelos outros é… Se ao menos Ary soubesse que… Estar morto: A mais triste e confortável condição… Estar vivo: o seu contrário, A MINHA NEGAÇÃO.

P.S.: Agradeço a Lili Caneças, notável filósofa da Modernidade, a formidável lição há uns tempos pronunciada em público, em que clarifica (e com exemplar distinção e clareza) que estar vivo é o contrário de estar morto, não é?. É. De facto. Os críticos, de humor azedo e tacto agreste, não viram na pergunta a entoação retórica. Lili afirmou pela interrogação, levando o ouvinte a questionar-se. Este é já, aliás, um método antigo das filosofias. Depois de lavada a cara com uma plástica, Lili procura lavar a percepção das massas. Sócrates não tentou tanto, e foi grande, porque teve Platão a compreendê-lo. Mas Lili, não tem ninguém. Por este motivo, intervenho, eu, o admirador humilde e modesto, num esforço que espero não ser vão, de ser o platónico discípulo deste novo e inigualável Sócrates. Lili, pela sua unicidade absurda, merece a imortalidade. Por isso, eu, o taciturno escrivão das coisas e dos dias, venho, por meio deste post scriptum, fazer a apologia de quem mais a merece. A apologia de uma Imperatriz do saber, de uma Imperatriz do ridículo (todos os visionários são ridículos), de uma Imperatriz da estupidez (toda a inteligência é imperceptível aos olhos dos idiotas), de uma Imperatriz do desconhecimento (toda a sabedoria é vã perante os infindáveis segredos do gigantesco Universo). Por isso, eu venho registar na memória da Humanidade esquecida, esta figura imensa que é Lili Caneças. Sim, Lili, magestática figura da Verdade e da Ciência, divindade erótica e sublime que me ocupas as reflexões e os sonhos, EU DAR-TE-EI O MUNDO. E o Mundo é o Amanhã, a promessa do sempre, do depois, impondo-se perante os outros do Futuro. EU DAR-TE-EI A ETERNIDADE. Para tal, minha Raínha da Calamidade, minha sublime Dominadora do Nulo, do Vácuo, da Estupidez, não tens de esforçar-te, não tens de pagar-me, não tens de fazer absolutamente nada, senão isto, um pormenor, um detalhe, uma coisa ínfima, quase sem importância, mas fundamental, absolutamente indispensável (glorioso, impressionante paradoxo!): fecha os olhos. Não fales. Não fales nunca: a tua sabedoria infindável não deve nunca ser dita. Pega neste copo que te dou. Leva-o à boca que deve sempre, constantemente estar fechada. Abre-a apenas para isto: para o copo que te dou, humilde, inocente, admiravelmente. Abre-a, abre-a, mais, mais, mais, abre a maior boca que conseguires, abre-a como nunca a abriste até hoje, como nunca nenhum homem (e também tu és um homem, virago impressionante!) como nunca um homem antes de ti a abriu! E bebe, Lili, bebe de um só golo esse cálice, digno de um deus da tua dimensão! Bebe esse néctar do Olimpo como tanto deus igual a ti deveria beber, como tanto sábio como tu deveria tomar! Ah, Lili! Bebe, bebe, bebe essa cicuta!, e eu louvar-te-ei até me cansar…