sexta-feira, agosto 03, 2007

Este São Tomé Que Vos Fala - Oitava Sessão: O Sombrero da Aparência...

Desta vez, Tomé, convidou-me para um copo. Comecei por estranhar tal convite num santo. Não supus que a santidade se amigasse com o álcool. De tal modo essa impressão me fez espécie que não me contive e, chegado à esplanada do alto de Santa Catarina onde ele já me esperava, antes da hora marcada, com uma caipirinha e um sombrero entalado até aos olhos, antes mesmo de puxar da cadeira e de me sentar, perguntei-lhe:

- Tomé, vais desculpar-me - sim, confesso, com muito agrado meu, que a nossa intimidade, a dado ponto que não sei especificar, nos levou a este tratamento - mas não entendo o teu convite. E essa caipirinha, não me parece, se me permites, não me parece que se adeque à tua santidade... Não devias conter-te um pouco mais? Afinal, o que dirá o Altíssimo?
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Escusado será dizer que o meu Tomé se exaltou:

- Olha lá, meu parvo! Que sabes tu do Altíssimo? Este estróina, que não tem outro nome, é o maior bêbedo que conheci até hoje! Que julgas tu que foi a Criação ???! Naturalmente, tinha de dar asneira! Ninguém constrói nada de jeito em sete dias! Está bom de ver o resultado...

- Tomé, francamente, mas isso já nem é cepticismo, é heresia! O álcool deixa-te agressivo, anti-social e, acima de tudo, sacrílego! Como podes implicar tal coisa de quem te criou?

Que fui eu dizer, meu querido amigo? Que fui eu dizer?! Tomé bateu-me como nunca o tinha feito, e em público! Em público! Bateu-me com uma violência inédita, insultou-me com uma verborreia inaudita, vilipendiou-me sem perdão! E eu, cabisbaixo, abismado, dorido, envergonhado, pedi desculpas, fui pagar (até paguei pelos dois, tal o meu estado!) e fui-me embora de volta ao meu humilde lar. Pensei, ressentido e triste, que o Tomé se perdera em definitivo, que já nem o seu cepticismo incial tinha valor filosófico ou Cristão, que tudo até aqui não fôra mais do que episódios de um bêbedo devasso que eu, por minha ingenuidade, considerei genial.
Chegado a casa, ainda com o ressentimento e a dor a atormentarem-me, estendi-me no sofá esgarçado e acendi o televisor. Umas notícias, umas novelas, uns episódios fortuitos da vida pública e privada de umas quantas vedetas, publicidade. E foi então que a treva clareou:
Meu Deus! Que injusto fui! E que soberbo afinal é o meu santo! Continuava envergonhado e dorido, mas a vergonha agora não era a de ter sido agredido em público (o que considerei já um justo castigo) mas a de ter duvidado (eu, o crente!), do meu cétptico Tomé; e a minha dor já não era a do rosto, mas uma maior abaixo dele, e mais por dentro, no que há em nós de mais Humano e interior. Eu entendera, por uma simples sucessão de imagens num televisor antigo, o plano genial do meu Tomé.
Ele, que não bebia por hábito (apenas por prazer), que sempre era recto, mesmo se excêntrico, que abominava sombreros (por questões de alergia), que não apreciava em particular o miradouro de Santa Catarina (por rivalidades políticas no mundo da hagiografia), lá estava, cumprindo este cenário e convidando-me a um copo. Tudo fôra magistralmente forjado. E, com tal teatro, que queria este Santíssimo dizer? Nada, senão isto:

- Vê, meu amigo, para além das aparências. Um homem calmo pode ser um monstro no mais por dentro de si. A placidez de um cenário pode ser a bomba de napalm sob a sombra de um sombrero. A mesquinhez e a vileza estão por norma vestidas da melhor Santidade - É um tecido da moda para muitas figuras cujo modus vivendi se rege, antes de mais, pela imagem e por uma crucial publicidade. No fundo, caro amigo, o sentido do mundo é uma fenomenal telenovela em que os seus actores concorrem ferozmente pela primazia da representação... E tu, que queres ser justo e honesto, onde cabes aí? Nisto: na atenção. No afastamento. Na distância imprescindível ao observador. Não julgues, observa. E do que vires daí conclui. É neste ponto que começa toda a acção.

Ora, perante isto, meus amigos e irmãos, digam lá se o meu Tomé não é um santo? E se, mais do que um santo, não é um grande génio???!