terça-feira, julho 31, 2007

O Sétimo Selo - Cheque-Mate e um Epílogo

Ingmar Bergman (1918-2007)
"Não sabia que tinha morrido". Este foi o comentário do realizador Joaquim Sapinho quando confrontado com o acontecimento. Eu imagino esta frase no próprio Bergman, depois do Cheque-Mate dado pelo seu adversário. E vejo ainda este confronto final :

A MORTE: Onde está a tua surpresa? Não sabias já como o jogo acabava? A Morte não é o Diabo nem tu o Holandês Voador. Nenhum ser pode enganar a Morte.
BERGMAN: Esperar? Eu? Nada. Sempre vivi além das expectativas. (Risos) De facto, om essa tua foice, e esse capuz, e essa capa que te cobre tudo, era de esperar que tivesses alguma na manga. À primeira vista tudo indica que ganhaste o jogo. Mas olha melhor para esse tabuleiro. Jogaste bem a Raínha e a Torre, o teu bispo em F4 atrapalhou-me os movimentos por um tempo horroroso. Nunca me permitiu libertar a minha Torre, não me ajudou em nada o Cavalo. O Cheque-Mate que me impuseste era de facto inevitável. Foi uma armadilha matemática, pormenorizadamente estudada. Neste hermetismo de regras, ganhaste. Perfeito. Mas que prazer tiraste tu do jogo? O que vives tu e o que gozas, perdida na obrigação intemporal de ceifar as almas dos Homens que as não têm? Tens o teu tabuleiro de xadrês e as tuas peças e tens o resultado certo de antemão de levar aqueles que procuras, os teus adversários-faz-de-conta. Não imaginas porém que, além do teu xadrês, fui eu quem ganhou o jogo; e que, nele, fui eu quem verdadeiramente o sentiu e apreciou. Corres o mundo, incansável, a colher os corpos moribundos. E a minha obrigação foi só uma: tirar prazer do que fiz. Tu duras porque tens de durar. Eu durei no tempo que era meu e descanso agora de cansaços; por cada peça em que toquei senti uma brisa de Outono, provei um morango silvestre, senti as ondas da costa do mar do Norte, experimentei um beijo. E tu, que experimentaste?

A MORTE: Não preciso de experiências. Sou o maior coleccionador do Universo. O verdadeiro capitalista de sucesso. Mais cedo ou mais tarde tudo me pertence.

BERGMAN: (Risos) Sim. Pode ser. Ignoras no entanto que a Sensação de um único segundo abarca mais do que qualquer Capitalismo. E há depois a memória.

A MORTE: A memória?

BERGMAN: Sim. Lembras-te de te ter dito no início que não sabia que tinha morrido?

A MORTE: Sim. Já me disseste que te sentiste enganado.

BERGMAN: Não, não era esse o sentido. Estava a ser irónico. Estava só a dizer-te que o que eu fiz na vida, o prazer que tive ao viver o que vivi, me livrou para sempre das tuas garras. O teu jogo estava, é certo, decidido há muito tempo; e no entanto, ao contrário do que te deixaste pensar, não pendia a vitória para o teu lado. Na verdade, pobre infeliz, foste tu que perdeste. Eu serei imortal e vivi verdadeiramente. Tu serás apenas uma sombra perene, seca e vazia para todo o sempre, e estás muito mais morta do que eu...